PERSPECTIVAS DA POLÍTICA MONETÁRIA NO BRASIL EM 2022 [1]
O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro registrou queda de 0,1% no terceiro trimestre de 2021 ante o segundo trimestre de 2021. Como o PIB já tinha recuado 0,4% entre abril e junho comparado ao trimestre anterior, o país entrou em recessão técnica, que ocorre quando esse indicador cai dois trimestres seguidos. Teme-se que 2022 seja um ano de estagnação, com risco até de uma recessão de fato, que se dá quando a economia se deteriora com a queda da produção, do consumo, e alta dos índices de falência e do desemprego. Isto porque, a atividade econômica no último trimestre deste ano deve ser fraca. Ou seja, tudo indica que o país está enfrentando uma forte desaceleração da recuperação econômica, após o PIB ter conseguido retomar no início do ano o patamar pré-pandemia. A previsão do último Relatório Focus de Mercado do Banco Central (BC), de 06/12/2021, é de um crescimento do PIB de 4,71% em 2021, crescimento esse que desabaria para 0,51% em 2022.
Esse mesmo Relatório prevê uma elevação da taxa básica de juros (SELIC) da economia. Ela, que já vem subindo, aumentaria de 9,25% ao fim desse ano para 11,25% no fim de 2022. Essa previsão não é boa. Juros altos tendem a inibir o crédito, as vendas, os investimentos produtivos, o aumento do emprego, e comprometer a vida de devedores. Como o Estado brasileiro possui uma dívida elevada, tais juros são um duplo tiro no próprio pé do governo, pois impactam negativamente as despesas públicas, que o governo tenta ajustar, e a receita fiscal devido ao menor nível de atividade econômica. Se tende a ser assim, qual a lógica econômica subjacente a esse esperado comportamento do BC, diante da possibilidade de uma recessão em 2022?
A resposta relaciona-se com o comportamento da inflação e o mandato fixado para o BC pelo Projeto de Lei (PL), aprovado pelo Senado em novembro de 2020. No que tange a inflação, o Relatório Focus espera um IPCA um pouco acima de 10% em 2021, superando com folga o centro e o teto da meta de inflação fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para 2021. O centro da meta é de 3,75%, com uma margem de tolerância de 1,5% para cima ou para baixo. O teto da meta, portanto, para esse ano é de 5,25%. Para 2022, o centro da meta é de 3,5%, com uma tolerância de 1.5% para cima ou para baixo. Ou seja, o teto da meta para o próximo ano é de 5,0%. É, justamente, essa a expectativa de mercado para o IPCA de 2022. Vale dizer, os agentes econômicos esperam que o Conselho de Política Monetária (COPOM) do BC atue para levar a inflação pelo menos para o teto da meta fixada pelo CMN.
Quanto ao PL acima mencionado, ele confere mandato de quatro anos para o presidente e diretores do BC. O texto estabelece que o BC passa a se classificar como autarquia de natureza especial caracterizada pela “ausência de vinculação a ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica” e estabelece mandatos do presidente e diretores de vigência não coincidente com o mandato de presidente da República. Eles não poderão ser responsabilizados pelos atos realizados no exercício de suas atribuições se eles forem de boa-fé e não tiverem dolo ou fraude. A ideia do projeto é que, não podendo a diretoria da instituição ser demitida por eventualmente subir o juro, sua atuação seja exclusivamente técnica, focada no combate à inflação.
Em nota, quando da aprovação do projeto, o BC afirmou que a proposta é um “passo importante” porque é preciso “separar o ciclo político do ciclo de política monetária”. “Por sua própria natureza, a política monetária requer um horizonte de longo prazo, por conta da defasagem entre as decisões de política e seu impacto sobre a atividade econômica e a inflação. Em contraste, o ciclo político possui um horizonte de prazo mais curto”, diz trecho da nota. A instituição também destacou que a literatura econômica e a experiência internacional mostram que “um maior grau de autonomia do Banco Central está associado a níveis mais baixos e menor volatilidade da inflação – sem prejudicar o crescimento econômico”.
O problema é que derrubar a inflação sem prejudicar o crescimento econômico está longe de ser uma tarefa trivial. Idealmente, um dos principais objetivos da política econômica é obter o maior crescimento econômico possível com a menor inflação. Todavia, na realidade, períodos de alto crescimento com baixa inflação são escassos. Assim sendo, ainda que dirigentes de bancos centrais costumem dizer que perseguem um duplo objetivo, controlar a inflação e garantir crescimento econômico, eles, na sua maioria, muitas vezes, precisam fazer uma escolha de Sofia. E essa escolha é conhecida. Baixar a inflação às custas do crescimento econômico e, consequentemente, da geração de emprego.
Diante desse quadro, manter os juros inalterados ou elevá-los moderadamente, num ano que promete uma acirrada disputa eleitoral no Brasil, é altamente tentador, especialmente se o governo enfrenta queda de popularidade. Juros altos são uma dura terapia usada para enfraquecer a demanda agregada da economia (demanda das famílias, governo e empresas), aumentar o desemprego, impedir ganhos reais de salários, comprimir a renda e, assim, inibir repasses dos custos mais altos com os importados para os preços, devido à desvalorização que o real vem sofrendo frente ao dólar.
E se a demanda agregada não for, conjunturalmente, a principal causa da inflação? Ainda assim, dirigentes ortodoxos de bancos centrais defendem essa terapia. Impedindo que a inflação saia de controle, revertem-se expectativas pessimistas dos agentes econômicos a respeito do futuro. Quando a inflação está em alta e esses agentes econômicos enxergam certa conivência do BC com ela, as expectativas de inflação tendem a se cristalizar acima do centro da meta. Isto torna a dinâmica inflacionária mais resistente, pois os agentes econômicos vendo a inflação alta resistem a baixar preços. No caso brasileiro, essas expectativas pessimistas estariam sendo capturadas no Relatório Focus e espera-se que, com a futura queda da inflação, os juros possam ser reduzidos e salários reais recompostos.
Uma outra função do juro mais alto seria atrair capitais estrangeiros de curto prazo para aplicações financeiras, evitando assim uma maior desvalorização cambial que pressionaria ainda mais o preço dos importados e o endividamento em dólar de empresas públicas e privadas. No caso da Petrobras, algo que poderia demandar aumentos adicionais de combustíveis, jogando mais lenha na fogueira da inflação. Para alguns economistas, o Banco Central teria ido longe demais no recém abortado processo de redução dos juros, provocando, uma redução do diferencial de juros do Brasil com relação às economias avançadas e, assim, contribuindo, junto com a piora na percepção das contas públicas e a instabilidade política e econômica, para aumentar a fuga de capitais do país e elevar o valor do dólar.
Fica uma pergunta. A inflação não poderia ser reduzida com o uso de outro expediente? Sim, é a resposta. Pelo menos teoricamente, uma redução dos gastos do governo acompanhada de uma elevação de tributos (política fiscal restritiva) poderia desempenhar papel equivalente à subida dos juros (política monetária restritiva). Todavia, a realidade brasileira impede isso. A forte recessão por conta da pandemia fez as receitas tributárias minguarem e a necessidade de gastos sociais dispararem. Como se não bastasse, o orçamento público continua engessado e não há clareza sobre a trajetória dívida pública/PIB nos próximos anos. Foram e continuam sendo muitos os problemas na política fiscal. Idas e vindas, criação e alteração do teto de gastos, postergação de pagamentos de precatórios, mudanças de metas e, subjacente e determinando tudo isto, uma brutal tormenta política que torna politicamente explosivo qualquer ajuste fiscal mais estrutural.
Sendo assim, que não se alimentem ilusões acerca de uma significativa folga na política monetária no ano de 2022. As taxas de juro subirão, gerando os efeitos colaterais acima expostos e estimulando, no caso das aplicações financeiras, a migração da renda variável para a renda fixa. Sem um ajuste fiscal estrutural e dada a importância da desvalorização do real para a economia brasileira, os juros deverão continuar desempenhando o papel de impedir uma disparada da inflação. O preço a ser pago será um ano de baixo crescimento e alto desemprego, que poderá se estender para 2023, aumentando a exclusão social. Isto, sem dúvida, provocará resistências de vários setores da sociedade aos juros altos, mas não me parece que esse ou outro governo que venha a assumir, após as eleições, queira renunciar ao controle da inflação (moeda estável) como um dos componentes de seu capital político.
[1] Doutor em Economia pela UNICAMP. Professor Associado Aposentado da Faculdade de Economia da UFBA. Conselheiro do CORECON/BA
BAIXE AQUI EM PDF: PERSPECTIVAS DA POLÍTICA MONETÁRIA NO BRASIL EM 2022