Oswaldo Guerra
Conselheiro do CORECON-BA
Bruno Chamusca Guerra
Planejador Financeiro
A atual crise na economia brasileira, decorrente da pandemia provocada pelo COVID-19, tem provocado espanto e questionamento na parcela da população brasileira que consegue adquirir produtos financeiros, aplicando nos chamados fundos de renda fixa. O espanto decorre do fato que tais investidores, ao consultarem sua posição patrimonial nesses fundos, percebem uma redução nos valores aplicados, surgindo daí o questionamento: sou um investidor conservador e prefiro aplicar em renda fixa, mas, apesar desse meu perfil, meu patrimônio investido tem variado para baixo, fazendo com que eu possa perder dinheiro, como isso é possível? O objetivo desse curto artigo é dar resposta a essa questão. Para tanto, é necessário, preliminarmente, fazer uma breve diferenciação entre aplicações em renda variável e renda fixa.
Quando um aplicador faz um aporte no chamado mercado de renda variável, cujo melhor exemplo é a compra de ações, ele não sabe exatamente quando e quanto irá receber de proventos ou ainda se obterá ganho de capital no momento que for vender a ação adquirida. Isto porque o valor de uma ação flutua a depender do desempenho da empresa, expectativas a respeito do seu futuro etc. Uma ação adquirida por R$ 50 no dia X, poderá valer mais ou menos este valor no dia X+1.
Já no mercado de renda fixa, o aplicador quando adquire um dado título diretamente junto a um emissor privado (bancos ou empresas) ou público (Tesouro Nacional), já sabe quais serão as condições de remuneração de seu capital e em que prazo irá receber o principal e juros, desde que permaneça de posse do ativo até seu vencimento. Um título de renda fixa pode ser pré-fixado ou pós-fixado. No primeiro caso, o cidadão sabe de antemão que – comprando um título público ou privado no valor de R$ 1.000,00, cuja promessa seja de pagar ao final de um ano 10% de taxa – receberá, na data de seu vencimento, R$1.100,00. No caso de um título pós-fixado, ele sabe que no vencimento irá receber uma renda já determinada, ainda que não saiba a priori o valor exato. Exemplo. Ele pode adquirir um título, com os mesmos 365 dias de prazo de vencimento, que prometa pagar 100% da taxa básica de juros (no caso do Brasil, a taxa SELIC). O valor dessa taxa, ele só saberá com exatidão ao longo do prazo de vigência do título até sua data do vencimento, por isso pós-fixado.
Apesar de ser pós-fixado e, portanto, não permitir que o aplicador saiba o montante absoluto de juros que receberá ao final do período, este tipo de título é considerado mais conservador do que o pré-fixado, já que ao acompanhar uma taxa referencial, ele reduz os riscos do cidadão sofrer com abruptas e inesperadas oscilações de mercado, sem poder renegociar a taxa previamente definida. Cabe ressaltar, que caso o aplicador precise vender um título de renda fixa antes do prazo de vencimento acordado com o emissor, ele terá que recorrer ao mercado secundário e estará susceptível às condições desse mercado naquele momento, o que pode, eventualmente, resultar em perdas financeiras para ele.
Feitas essas distinções, vamos para a questão colocada no parágrafo introdutório. Assuma que o investidor tenha aplicado seus recursos num fundo de renda fixa ofertado por uma instituição financeira e não comprado diretamente junto a um emissor primário privado ou público. Nesse caso, ele não é o único aplicador. Ele é um cotista de um determinado fundo que possui vários outros cotistas com perspectivas distintas e o gestor desse fundo adquire diversos papéis públicos e privados que compõem a carteira do mesmo. Como as perspectivas desses diversos cotistas são distintas, não se sabe, a priori, por quanto tempo eles ficarão com seus recursos aplicados. Quando, por alguma necessidade, o aplicador solicita um resgate e o fundo não dispõe de caixa livre para imediatamente honrar, o gestor do fundo precisa vender algum título no mercado secundário para alguém que queira comprar, submetendo-se às condições de mercado daquele momento, que podem ser favoráveis, gerando um ágio no valor do título vendido, ou desfavorável, gerando um desconto. Ao fazer isso, o preço de referência de todos os títulos iguais àquele, que este ou outros fundos de investimento possuam em suas carteiras, precisam ser ajustados para refletir a realidade atual do mercado, de acordo com as últimas transações, ainda que nenhum resgate adicional tenha sido solicitado por outros cotistas. Isso se chama marcação a mercado[1].
Em momentos de grande volatilidade nas taxas de juros futuras, os preços dos títulos marcados a mercado oscilam muito e, consequentemente, também oscilam os valores das cotas dos fundos de renda fixa. A crise provocada pelo coronavírus gera esse cenário de grande volatilidade, além de uma busca generalizada por liquidez de parte dos cotistas. Para honrar o resgate dos clientes, os gestores dos fundos tratam de vender títulos e os eventuais compradores só aceitam adquirir esses títulos com desconto. E quanto mais aplicadores estejam dispostos a se desfazer de seus respectivos títulos, torna-se mais difícil encontrar compradores e quando estes são encontrados os pedidos de desconto se elevam e os preços desses títulos caem, seguindo a velha lei da oferta e demanda. Consequentemente, ao marcar todos os títulos ainda existentes na carteira do fundo a mercado, o valor da cota desse hipotético fundo de renda fixa cai e, para surpresa dos menos esclarecidos, a renda que eles imaginavam fixa torna-se variável e o que é pior, para baixo. Essa situação usualmente provoca pavor e detona o efeito manada, no qual todos correm para vender e as perdas se agigantam.
Atenção. É preciso ter claro que isso afeta o patrimônio mesmo daquele aplicador que não solicitou resgate algum, uma vez que ele faz parte de um fundo de investimento com vários cotistas, assim como já mencionado afeta também o patrimônio de cotistas de outros fundos que tenham o mesmo título de renda fixa na carteira. Seria diferente, caso ele tivesse comprado um título de renda fixa diretamente do emissor público ou privado a uma taxa pré ou pós-fixada e o mantivesse em sua carteira até a data do vencimento. Ao não se desfazer desse título, ele não precisaria ser marcado a mercado no dia de sua venda e, num cenário de crise econômica, com forte aversão ao risco e crise de liquidez, ele não seria vendido a qualquer preço. Consequentemente, não provocaria perda no patrimônio do aplicador.
O que dizer então para quem não precisa de liquidez e não vendeu suas cotas em fundos de investimento. Espere a turbulência passar, a demanda por títulos voltar a crescer, o valor das cotas subir e a marcação a mercado refletir uma nova realidade. Vender nesse momento não é uma boa opção, salvo se a necessidade de liquidez for premente.
[1] No Brasil, a marcação a mercado foi instituída em 2002. Essa regra foi criada nos EUA nos anos 1990, depois de uma crise gerada por crédito barato e em excesso no mercado financeiro. Na época, era usual que os títulos de dívida detidos pelas instituições financeiras fossem registrados no balanço com o mesmo valor de sua aquisição, fazendo com que a perda ou ganho com o valor dos títulos ficasse mascarado.