No próximo sábado (06), será inaugurado o novo trecho da Avenida 29 de Março, que integra a orla marítima de Salvador com a BR-324, na altura de Águas Claras. Ocupando cerca de 13 km de extensão, a Av. 29 de Março, juntamente com a duplicação e requalificação da Av. Orlando Gomes, resulta de um investimento do Governo do Estado de mais de R$ 581,5 milhões. Vai impactar cerca de 275 mil pessoas, que moram nos 16 bairros do entorno da via, como Nova Brasília, Jardim Nova Esperança, Castelo Branco e nas Cajazeiras IV, V e VIII.
Os reflexos na mobilidade urbana de Salvador e Região Metropolitana, bem como as perspectivas econômicas para a região com a nova Av. 29 de Março são abordados em documento técnico elaborado em parceria entre o economista da CONDER/INFORMS e Conselheiro do Corecon-BA, Rodolfo Lujan, e a geógrafa e analista da CONDER/INFORMS, Mônica Gualberto Santos. O documento editado para a CONDER/ INFORMS (Sistema de Informações Geográficas Urbanas do Estado da Bahia) foi gentilmente cedido para divulgação nos canais do Corecon-BA, pelo coordenador do Sistema, Paulo Ribeiro, com o propósito de debater, entre os economistas, temas da nossa cidade e do Estado da Bahia. Confira a análise na íntegra.
Av. 29 de MARÇO – IMPORTÂNCIA E IMPACTO NA ESTRUTURA URBANA E DE TRANSPORTES DE SALVADOR E REGIÃO METROPOLITANA
A Av. 29 de Março atravessa uma densa área urbana do município de Salvador denominada “área do Miolo”. Situada entre a Av. Luiz Viana Filho (Av. Paralela) e a BR 324 estendendo-se ao norte até os limites do município de Salvador, com uma superfície de cerca de 10 mil habitantes. O Miolo, congrega numerosos conjuntos habitacionais e uma parcela significativa da população mais carente da cidade, alcançando em 2010, de acordo com o censo demográfico do IBGE, uma população de 904.276 habitantes.
Pela sua localização e importância estratégica, o Miolo foi considerado como área prioritária no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano em 1985 para a expansão da cidade “interligando seus dois vetores de crescimento a BR 324 e a Av Paralela, equidistantes da orla da baía e da orla oceânica, através de um sistema viário transversal”.
A partir dos anos 1950, com a acentuada expansão horizontal de Salvador decorrente da industrialização da Região Metropolitana de Salvador – RMS, cresce a demanda por áreas habitacionais, intensificando o crescimento das chamadas periferias, o que irá a provocar um parcelamento do solo na área do Miolo que até essa década tinha caráter majoritariamente rural. A ocupação territorial do Miolo responde ao processo de periferização sócio espacial da cidade, provocado por intensos fluxos migratórios de trabalhadores, a maioria expulsos das zonas rurais, a procura de emprego e segue a lógica da concentração da riqueza nas áreas centrais da cidade e expansão da pobreza nas periferias fruto de um sistema econômico excludente.
É significativa a ocupação do Miolo a partir da década de 1970, crescendo em taxas superiores às de Salvador de forma continuada nas décadas de 1980 e 1990. O Miolo também é objeto de grandes investimentos industriais, comerciais e de serviços cuja importância para a economia da cidade e da região não está devidamente dimensionada, além da existência de um comercio local, predominantemente informal, forte. Nela reside boa parte da força de trabalho de Salvador e um expressivo contingente de trabalhadores autônomos.
Em qualquer cidade cuja taxa de crescimento é acelerada que não possua política pública de acesso à terra e um planejamento da ocupação do solo, o custo dos terrenos aumenta. Em Salvador, não obstante os diversos planos elaborados, mas não implantados (o Miolo é um exemplo), não é diferente. Com o alto preço das terras urbanas com infraestrutura básica disponível e mais próximas do centro, as populações de baixa renda ou sem renda a procura de emprego, são obrigadas a ocupar áreas mais distantes, com pouca ou sem infraestrutura que atenda às suas necessidades, à exemplo do Miolo, que por ser acidentada está sujeita a deslizamentos de terra e alagamentos, predominando a ocupação irregular e clandestina das terras disponíveis, configurando uma periferia desordenada e informal, reflexo das relações sociais de produção existentes.
De acordo com dados do IBGE (tabela 01) em quatro décadas a população de Salvador quase triplicou, com 1.006.398 habitantes em 1970 passando para 2.675.656 em 2010. No caso do Miolo a taxa de crescimento populacional foi ainda maior, com 75.394 habitantes em 1970 passando para 904.276 habitantes em 2010, ou seja, em quatro décadas sua população aumentou mais de dez vezes. O número de domicílios aumentou de 13,7 mil em 1970 para 292,2 mil em 2010 (mais de 20 vezes). Em 2010 a cidade de Feira de Santana a segunda maior do Estado, possuía aproximadamente 750.000 habitantes. Nesse mesmo ano, no Brasil, apenas 17 cidades tinham uma população superior a 900 mil habitantes.
Tabela 1: Relação da dinâmica populacional entre o Miolo e Salvador.
Ano | População | Miolo | Salvador |
1970 | População | 75.394 | 1.006.398 |
Domicílios | 13.719 | 182.626 | |
1980 | População | 250.091 | 1.505.383 |
Domicílios | 50.388 | 300.950 | |
1991 | População | 559.953 | 2.075.273 |
Domicílios | 129.290 | 488.144 | |
2000 | População | 748.623 | 2.443.107 |
Domicílios | 197.562 | 651.293 | |
2010 | População | 904.276 | 2.675.656 |
Domicílios | 292.258 | 866.956 |
Fonte: Censo – IBGE
Áreas periféricas, à exemplo do Miolo, ocupadas espontaneamente ou invadidas, sem infraestrutura e sem equipamentos sociais básicos, distantes do centro e dos locais de trabalho acentuam a demanda por serviços públicos urbanos principalmente o transporte coletivo. São áreas com grande passivo social e precária infraestrutura servindo como áreas residenciais e abrigo de trabalhadores assalariados, autônomos e trabalhadores informais.
Esse modelo de ocupação territorial começa a mudar a partir de 2010 com a decisão do Governo do Estado em implantar o Sistema Metroviário e duas avenidas transversais no Miolo: a Av. Gal Costa e a Av. 29 de Março criando-se a expectativa de grandes transformações na estrutura territorial e de uso do solo de Salvador e na funcionalidade da cidade e da Região Metropolitana.
Hoje, o metrô circunda o Miolo pela BR 324 (linha 1) chegando a Pirajá pela BR 324 (encontra-se em fase de contratação as obras para sua extensão até Águas Claras) e, pela Av. Paralela (linha 2), que vai até o Aeroporto. A extensão atual de metrô é 33,5 km com 21 estações que servem as linhas 1 e 2. Esse sistema transporta, hoje, mais de 370.000 pessoas por dia, em sua maioria, residentes no Miolo.
Se, por um lado, a demanda da população do Miolo por transporte coletivo passa a ser atendida com o Metrô e outros equipamentos de apoio como as estações de transbordo de ônibus, com as próprias vias (Av. Gal Costa e Av. 29 de Março) servindo como corredores de transporte, por outro, esse sistema de transporte reconfigura a ocupação espacial do Miolo afetando positivamente os fluxos de transporte de pessoas e mercadorias na cidade de Salvador e RMS.
Um grande corredor de transporte, principalmente de carga, se forma com a implantação da Av. 29 de Março unindo três modais: o aeroviário pela sua proximidade com o Aeroporto de Salvador (7,5 km), o rodoviário com a implantação da nova Estação Rodoviária de transporte intermunicipal e interestadual no bairro de Águas Claras e o portuário pela sua proximidade com a Via Expressa – Porto de Salvador (10 km) e com o Porto de Aratu (14 km), trazendo ganhos de produtividade e redução de custos de transporte para a economia local além de outros benefícios para a qualidade de vida dos trabalhadores e residentes do Miolo. Os impactos territoriais positivos da via serão ainda maiores quando integrado ao VLT, sistema de transporte que atenderá a população residente no Subúrbio de Salvador
A Av. 29 de Março, juntamente com a duplicação e requalificação da Av. Orlando Gomes, resulta de um investimento do Governo do Estado de mais de R$ 581,5 milhões, ao ser finalizada terá aproximadamente 13,5km de extensão. Além da construção da via, os recursos foram utilizados para melhorias urbanas como a implantação de rede de abastecimento de água no entorno, serviços de macrodrenagem e canalizações ao longo do seu percurso. Foram construídos seis viadutos, cinco pontes, passeios e ciclovia em toda sua extensão, pista dupla com três faixas cada, com uma faixa exclusiva para o transporte sobre rodas (BRT). A av. 29 de Março faz parte do Projeto Linha Vermelha que se integra a Av. Orlando Gomes, cuja obras de duplicação e revitalização já foram realizadas, e com a BA-528 mais conhecida como Estrada do Derba.
A vida de mais de 275 mil pessoas (Tabela2), aproximadamente um terço do total de residentes no Miolo, que moram nos 16 bairros no entorno da via, como Nova Brasília, Jardim Nova Esperança, Castelo Branco e nas Cajazeiras IV, V e VIII que sofrem com a precariedade do transporte público existente deve mudar, com melhores condições de mobilidade. Essa via abrirá, simultaneamente, oportunidades para a implantação de novos centros comerciais e de serviços, abrirá novas oportunidades de negócios para os estabelecimentos comerciais e de serviços existentes na região gerando emprego e renda para a população.
Todavia, como contraponto a esses avanços, a valorização dos terrenos e a especulação imobiliária cuja dinâmica dependerá de uma ação efetiva do controle da ocupação do solo por parte do poder público municipal e do controle social exercido pela comunidade residente nesse território, podem trazer de volta o fantasma histórico da expulsão da população mais pobre e mais frágil que mora nos bairros (agora valorizados) beneficiados por essa infraestrutura, para terras mais distantes.
Tabela 2: População e Domicílios dos bairros lindeiros a Av. 29 de Março
Bairros | População | Domicílios |
Águas Claras | 37.029 | 11.507 |
Bairro da Paz | 19.407 | 6.067 |
Cajazeiras IV | 3.364 | 1.004 |
Cajazeiras VI | 7.341 | 2.287 |
Cajazeiras VIII | 13.013 | 4.205 |
Castelo Branco | 33.510 | 10.656 |
Dom Avelar | 11.842 | 3.748 |
Fazenda Grande IV | 4.774 | 1.422 |
Jaguaripe I | 5.487 | 1.716 |
Jardim Nova Esperança | 14.008 | 4.567 |
Mussurunga | 30.838 | 9.508 |
Nova Brasília | 16.716 | 5.478 |
Piatã | 11.441 | 3.333 |
Pirajá | 33.341 | 10.301 |
Trobogy | 7.158 | 2.589 |
Valéria | 26.210 | 8.106 |
Total | 275.479 | 86.494 |
Fonte: Censo de 2010 (IBGE)
Documento Técnico
Elaboração:
Econ. Carlos Rodolfo Lujan Franco – INFORMS
Geog. Mônica Gualberto – INFORMS
Salvador, 26 de Março de 2019
Todos os direitos reservados para a CONDER
Artigo em PDF com mapas e tabelas anexadas – Clique aqui