* Por Virgílio Pacheco
O foco da nossa preocupação são os efeitos econômicos do aumento proposto para o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), cujo debate superficial, senão a sua ausência, é simplesmente desolador. A Câmara Municipal (a Casa do Povo da Cidade), onde mais se deveria discutir a proposta, optou de forma atabalhoada e rito sumário pela aprovação, cuja mensagem continha erros crassos no que tange à técnica legislativa. Salvo as exceções conhecidas concernentes às qualificações, fatos assim revelam a subordinação histórica e atrelamento dos nossos representantes ao executivo, que sabe tirar vantagens do perfil fisiológico cristalizado no processo político e secularizado historicamente.
Há de se chamar atenção para o fato de que o Estado não deve ter por missão precípua a arrecadação ou o seu aumento, mas a justiça fiscal. Adam Smith, considerado o pai da economia moderna, na sua famosa obra de 1776, “A Riqueza das Nações”, já registra os elementos da necessidade da equidade da tributação. Assim, os benefícios recebidos pelo contribuinte pelos serviços prestados pelo Estado, sobretudo sua capacidade contributiva, são precondições fundamentais ao alcance dessa justiça, condição sabiamente homologada na Constituição de 1988.
O IPTU é um imposto essencialmente inelástico em relação à renda. Sendo assim, para que os resultados do aumento do imposto repercutam favoravelmente na arrecadação, de acordo com as expectativas do Governo Municipal, será necessário que esta cobrança seja exercida ao nível da extorsão, senão do confisco, o que a torna inconstitucional por não respeitar a capacidade contributiva do cidadão. A uma variação do produto ou renda, a arrecadação do imposto se dá em proporção inferior a essa variação, sobretudo em uma cidade com o perfil de renda per capita extremamente baixo como Salvador.
Ainda considerando a questão da elasticidade do tributo, a prática de administrações tributárias voltadas para a crescente apropriação da parcela da renda através da tributação inevitavelmente leva o ente público a se defrontar com o paradoxo da carga tributária, ao ver diminuir sua arrecadação, ao passo que quando decide pela sua redução, passa a arrecadar mais.
Há também que se lamentar a forma enganosa da propaganda governamental para estimular o cadastramento. Para camuflar suas verdadeiras intenções, a propaganda induz a população a acreditar que seu (re) cadastramento tem por objetivo a coleta de informações para que se possa decidir onde, como e onde alocar os investimentos em saúde, educação ou outros serviços, quando na verdade se objetiva exclusivamente o aumento de receita, o que significa, nas condições dadas, a escorcha tributária.
Para que se tenha ideia do que se vislumbra no horizonte, a trava é de 35 % ao ano, ou seja, o aumento anunciado pelo prefeito de Salvador no período do seu mandato alcançará o índice de aproximadamente 3,32. Assim, para cada R$ 1.000,00 do imposto hoje, ao longo do período do governo que patrocina a atual proposta, será cobrado R$ 3.332,00, um aumento de 232%, enquanto a inflação no mesmo período será de 26%, correspondendo ao aumento real de, aproximadamente, 206 %.
A proposta é uma bazófia. O efeito devastador dessa política se projetará sobre a classe média, já bastante desencantada pelo desgoverno dos últimos anos. Via de regra, o patrimônio da classe média é construído ao longo da vida, cumulativamente, dentro de um processo institucionalizado ou de regras definidas. Ainda que houvesse distorções, estas só poderiam ser corrigidas dentro de um processo gradual, respeitadas as condições constitucionais relacionadas à capacidade contributiva, o que certamente não é nem de longe observado pela proposta de aumento do IPTU em Salvador.
Os “bem intencionados” que defendem o aumento absurdo, sob o argumento da eficácia da progressividade, da defasagem do valor venal, da importância desse instrumento enquanto política urbana e pequena participação do imposto em relação ao PIB, devem observar que, ainda que no Brasil, como é do senso comum, o IPTU esteja abaixo do potencial, o aumento da sua participação no Produto não pode ocorrer sem considerarmos a elevada carga tributária, que ameaça alcançar 40% do PIB.
No médio prazo, a ação mais adequada, mutatis mutandis, às justas necessidades dos municípios, ênfase aos grandes centros, especialmente Salvador, passa, portanto, pela possibilidade de uma justa e urgente reforma tributária, quando se poderia, dentre outros aspectos, pugnar pela maior participação dos municípios no bolo tributário, hoje extremamente concentrada na União. No curto prazo, o esforço dentro dos parâmetros existentes não pode desconsiderar a necessária parcimônia das medidas cujo significado é o respeito à capacidade contributiva prevista na Carta Magna.
O aumento do IPTU em Salvador, tal como proposto, tem por objetivo exclusivamente o aumento da arrecadação de forma abusiva. Desta forma, o resultado pode ser o aumento da inadimplência e a judicialização inevitável face à natural busca do Direito pelo contribuinte e conseqüente diminuição da receita esperada.
Virgilio Pacheco é Economista, Professor e Conselheiro do Conselho Regional de Economia