Há muito não se via na grande mídia e entre os economistas do chamado stablishment um discurso tão afinado e insistente em favor de um aumento imediato da SELIC, como medida indispensável ao controle da inflação. Para esses setores, o “dragão” está de volta, haja vista o teto ter sido ultrapassado nos últimos doze meses, a par das pressões sobre os chamados núcleos da inflação e o seu grau de dispersão.
A redução em quantitativos de vendas no varejo, particularmente entre não-duráveis, parece reforçar a visão de que as elevações de preços começam a afetar a capacidade de consumo das famílias. O aumento da cesta básica, em especial, estaria comprometendo a melhoria da qualidade de vida das populações de mais baixa renda, justamente as mais favorecidas, nos últimos anos, pelas políticas sociais de eliminação da miséria e de redução das desigualdades, que constituem, no dizer do Prof. Antonio Delfim Netto, um processo civilizatório de inclusão.
Para aqueles comentaristas e economistas, não parece ser relevante o fato de que o País continua a ter uma das taxas de juros reais mais elevadas do mundo (classificado hoje no 6º lugar no ranking mundial, isto é, sem qualquer aumento), nem que as taxas usualmente praticadas sejam muito superiores (na média, com recursos livres, 24,9% anuais para as famílias e 18,9% para as empresas), nem mesmo que os encargos da dívida representem uma sangria estimada para este ano, no orçamento da União, de R$ 163,5 bilhões, e as amortizações líquidas, R$ 126,5 bilhões.
Paralelamente, os indicadores da indústria revelam queda e os demais setores, arrefecimento do nível de atividade econômica, além da crônica insuficiência de investimentos, públicos e privados. A elevação da taxa de juros, portanto, nas atuais circunstâncias, parece sinalizar para uma reversão, para um retrocesso na trajetória iniciada há cerca de um ano e meio, que nem por isso impediu nossas instituições financeiras de continuarem apresentando lucros invejáveis em relação ao resto do mundo. Seria, além do mais, uma espécie de capitulação do atual governo se considerados os pressupostos que nortearam, até um passado recente, a política monetária, e que se revelaram frágeis: a utilização automática da SELIC como principal – para não dizer único – instrumento de combate à inflação e sua eficácia para lograr o intento de controlá-la.
Lamentavelmente, o debate, além de tecnicista e dirigido, está contaminado pelo calendário eleitoral. E, ainda, reintroduz a falsa polêmica sobre a independência do Banco Central.
Como nos ensina o Prof. Delfim, “a inflação brasileira claramente tem causas estruturais muito mais complexas do que aquelas passíveis de ser corrigidas simplesmente com a elevação da taxa de juros…a vida não se esgota na Selic e o mundo não acaba nem começa na taxa de juros”.
O Brasil, para avançar, precisa urgentemente abandonar a visão curtoprazista que norteia todas as decisões econômicas e de livrar-se das discussões focadas exclusiva e exaustivamente em questões conjunturais. A perspectiva de desenvolvimento ou, pelo menos, de crescimento continuado, consistente e harmonioso depende do despojamento, da humildade e da abrangência com que as nossas lideranças políticas e os formadores de opinião possam vislumbrar o futuro da civilização brasileira.