“Os economistas devem deixar de fornecer
conselhos sobre políticas como se fossem
empregados de um déspota benevolente
e deveriam olhar para a estrutura na qual
as decisões políticas são tomadas.”
James Buchanan
Faleceu no último dia 9 de janeiro, aos 93 anos, o economista James McGill Buchanan, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1986, “por desenvolver a teoria da escolha pública para analisar as tomadas de decisões políticas e econômicas”, de acordo com o comunicado do Banco Central da Suécia, que é quem concede o referido prêmio.
Trata-se de uma perda irreparável para a Ciência Econômica, uma vez que Buchanan foi um dos grandes responsáveis pelo revigoramento do pensamento econômico liberal na segunda metade do século passado, apesar de ter desenvolvido uma análise que o enquadra na chamada Political Economy, corrente de pensamento de que fazem parte, normalmente, pensadores de viés marxista ou keynesiano, e que se opõe à chamada corrente principal (mainstream), habitualmente relacionada aos neoclássicos e à chamada Economics.
Duas grandes preocupações envolveram a produção teórica de Buchanan e, em especial, a elaboração da teoria da escolha pública (public choice theory).
A primeira dessas preocupações tinha a ver com o uso excessivo da matemática, que, cada vez mais, assumia papel central na formulação das teorias econômicas da época, sendo bom exemplo disso a teoria das expectativas racionais. Para Buchanan, ao se preocuparem em elaborar modelos de análise com enorme sofisticação matemática, os economistas estavam se esquecendo daquilo que para ele deveria se constituir no essencial da análise teórica: compreender as motivações que explicam as decisões dos agentes econômicos. Com evidente ironia, Buchanan referia-se aos economistas matemáticos como “eunucos ideológicos”.
A segunda preocupação tinha a ver com a acentuada politização das decisões econômicas, decorrência direta da enorme influência das políticas econômicas de inspiração keynesiana. A transferência para o âmbito da política muitas vezes fazia com que a racionalidade econômica fosse suplantada pelos interesses dos políticos envolvidos na tomada de decisões. Como bem observou Buchanan, o economista e o político trabalham com vetores distintos. Enquanto o economista tem por parâmetro fundamental em suas tomadas de decisão a eficiência, procurando sempre a alocação ótima dos recursos escassos, o político tem por parâmetro a conquista e a manutenção do poder, o que só pode ser alcançado, no regime democrático, através do voto. Nesse sentido, o político, principalmente em períodos eleitorais, tem o costume de prometer o impossível para conquistar os votos dos eleitores, desconsiderando, muitas vezes, os limites impostos pela escassez dos recursos produtivos.
Sendo assim, e considerando acertadamente que o político é um ser humano comum e, como tal, movido pela busca de seus interesses pessoais, Buchanan recomendou o estabelecimento de limites à interferência dos políticos nas decisões econômicas. Esses limites, votados pelos representantes democraticamente eleitos, devem ser inseridos na constituição do país, razão pela qual a teoria da escolha pública é também chamada de teoria constitucionalista.
Buchanan, portanto, desenvolveu uma teoria que supõe uma estreita aproximação entre o direito, a política e a economia, daí seu enquadramento na Political Economy.
Por outro lado, preocupado com o exagerado uso de políticas de estímulo ao crescimento baseadas em orçamentos deficitários, recomendou um comportamento mais austero das autoridades, sobretudo na observância do equilíbrio fiscal.
Com intensa produção intelectual, Buchanan deixou um legado considerável. De sua vasta obra, merece especial destaque o livro O cálculo do consenso, publicado em 1962, em coautoria com Gordon Tullock e, lamentavelmente, não traduzido para o português. Mais do que em qualquer outra obra, é nela que fica mais fácil de entender o alcance da teoria da escolha pública.
Um dos economistas brasileiros que maior influência recebeu de Buchanan foi o Prof. Jorge Vianna Monteiro, que há décadas faz uma análise da economia brasileira à luz da teoria da escolha pública. Esse extraordinário trabalho de pesquisa dá origem a uma carta quinzenal de conjuntura econômica intitulada Estratégia Macroeconômica, que já teve, como subprodutos, cinco livros reunindo esses artigos.
Para encerrar, um depoimento pessoal. Tive a satisfação de conhecer o Prof. Buchanan quando esteve no Brasil participando de um conjunto de seminários, ocasião em que foi lançada a edição em português do livro Custo e escolha. Na oportunidade, ele participou, no Rio de Janeiro, de um encontro regional da Mont Pelerin Society, um think tank criado por Friedrich Hayek em 1947. Posteriormente, veio ministrar uma palestra em São Paulo. A viagem do Rio a São Paulo foi feita no jatinho de Donald Stewart Jr., fundador do Instituto Liberal no Brasil. Atendendo solicitação de Donald Stewart, viajei em companhia de Buchanan e de Israel Kirzner, economista pertencente à escola austríaca de economia. Aproveitei a oportunidade para solicitar um autógrafo em meu exemplar do livro que estava sendo lançado. E a dedicatória de Buchanan foi:
To Luis,
with best wishes.
James Buchanan
Between Rio and S. Paulo,
9 sept. 93